O calvinismo foi influenciado pelo maniqueísmo?

O calvinismo foi influenciado pelo maniqueísmo?

Um certo pregador declarou que a teologia agostiniana foi contaminada pelo maniqueísmo. Usando uma falsa acusação contra Agostinho de Hipona e tentando influenciar outras pessoas a odiarem o calvinismo, o pregador deixou subentendido que nós, calvinistas, somos todos influenciados pelas mentiras inventadas por Mani, mas a história não é bem assim.

O Maniqueísmo foi uma religião gnóstica que surgiu nos séculos III e IV, liderada por um mestre gnóstico chamado Mani. Ela se desenvolveu com boa retórica, mas carecia de lógica, o que eventualmente levou à sua desacreditação.
Agostinho, em suas "Confissões", discute o maniqueísmo de forma filosófica, especialmente focando nas ideias relacionadas aos astros, como astronomia e astrologia. No entanto, ele deixa claro que, ao entrar na seita, estava em busca de respostas religiosas. Mani provavelmente não trouxe nada de novo, apenas reiterou as antigas mentiras gnósticas do século II, que já haviam sido combatidas por Irineu, mas o fez com uma abordagem mais contemporânea para o século III.

Agostinho próprio descreve como ficou desapontado ao encontrar um dos profetas mais conhecidos do maniqueísmo, Fausto, e perceber que ele também não seria capaz de dissipar suas dúvidas.

Esta religião, apesar de ser bastante antiga, está muito mais presente em nossos dias do que parece. Mani, um persa, uniu doutrinas de várias religiões, como o zoroastrismo, hinduísmo, budismo e, como todo gnóstico, o cristianismo, em uma única religião. Esse movimento, embora seja visto como novo no século III, ocorria desde os primórdios do cristianismo. Podemos observar isso quando Felipe precisou repreender um mago que desejava receber o batismo no Espírito Santo, buscando assim incorporar "poderes" à sua magia (Atos 8). Simão, mencionado no texto, é reconhecido como um dos primeiros gnósticos da história, e as cartas de Paulo e João indicam que o movimento não cessou após os eventos narrados em Atos.

Entre os ensinamentos conhecidos de Mani, alguns podem ser encontrados no cristianismo moderno, como:
  • A batalha entre o bem e o mal: O maniqueísmo ensinava um dualismo radical, acreditando que o universo era um campo de batalha eterno entre duas forças opostas e irreconciliáveis: a "Luz" (representando o bem, o espírito e a pureza) e as "Trevas" (representando o mal, a matéria e a impureza). No cristianismo moderno, é comum encontrar pessoas ensinando algo semelhante sob uma nova abordagem, como a famosa doutrina da batalha espiritual. Esses ensinamentos não estão presentes nas doutrinas protestantes, mas foram incorporados por alguns crentes pentecostais (embora não seja uma crença unânime entre todos os pentecostais).
  • Ascetismo exagerado: O maniqueísmo ensinava um tipo de ascetismo exagerado, que consistia em se afastar completamente dos prazeres mundanos. Isso pode ser encontrado em mestres gnósticos mais recentes, como Helena Blavatsky, que ensinava a prática de jejuns ascéticos. O ascetismo também pode ser identificado em grupos católicos, que chegaram a proibir até mesmo relações sexuais entre casais. É importante notar que, mesmo na religião protestante, o ascetismo sexual já foi praticado, e algumas pessoas chegaram a manter relações sexuais com roupas para evitar o contato carnal, uma prática derivada do maniqueísmo.
  • Reencarnação da alma: No gnosticismo, era comum a ideia de que o ser humano deveria alcançar uma iluminação superior para ser salvo deste mundo material. Portanto, a ideia da reencarnação surgiu nessa seita como uma segunda chance para que a alma impura e pecadora pudesse ser iluminada e, finalmente, salva. A doutrina da reencarnação é vista em nossos dias na religião espírita.
Um dos problemas do maniqueísmo é o chamado determinismo cósmico, e é neste aspecto que alguns arminianos nos acusam de ser maniqueístas. No entanto, há algumas diferenças óbvias entre o que ensinamos sobre o livre arbítrio e o que Mani desenvolveu no terceiro século. Por exemplo, no maniqueísmo, o livre arbítrio na doutrina era determinado pela batalha cósmica entre as trevas e a luz, e não pelo desejo humano. O calvinismo ensina que o livre arbítrio foi corrompido pelo pecado. Não se trata de algo abstrato como as trevas, mas sim do desejo humano de desobedecer, não a existência de um ser chamado "mal", mas sim o íntimo empenho em desobedecer a uma simples ordem divina.

No maniqueísmo, a salvação estava ligada à ideia de iluminação, e como mencionado anteriormente, uma alma poderia não ter alcançado luz suficiente para ser salva e reencarnaria para tentar novamente. No calvinismo, Deus salva pela Sua graça aqueles que Ele deseja, e o Seu Espírito sustenta cada um daqueles que Ele escolheu salvar para a eternidade.

No maniqueísmo, a salvação está nas mãos do homem, que decide pelo seu livre arbítrio seguir as trevas ou a luz. No calvinismo, a salvação é pela graça, operada desde o início por Deus, a fim de salvar aqueles que Ele escolheu de antemão. Não há força humana na salvação para a doutrina calvinista, pois todos pecaram e estão afastados da graça de Deus. No maniqueísmo, acredita-se que a força moral humana era suficiente para salvar qualquer um.

O maniqueísmo era uma religião que criava uma dualidade entre o bem e o mal como base de sua filosofia. Nós, por outro lado, compreendemos que o bem e o mal são decisões, não entidades abstratas. Como Agostinho ensina, o ser humano naturalmente inclina-se para o mal, mas Deus, por meio de Sua ação e poder, leva o ser humano a praticar o bem. De forma geral, é muito mais fácil identificar traços do maniqueísmo em seitas pentecostais e arminianas do que na teologia reformada. No entanto, os arminianos parecem querer ocultar essa semelhança para que você acredite que somos os maniqueístas da história.

Embora seja verdade que esses ensinamentos podem estar presentes em igrejas pentecostais e arminianas, é importante lembrar que o gnosticismo moldou sua própria religião usando elementos do cristianismo. Não é anormal encontrar partes das doutrinas cristãs nele, dado que o gnosticismo se desenvolveu depois do cristianismo ter sido estabelecido. Isso não invalida os erros teológicos modernos, mas alivia o peso injustamente atribuído pelos arminianos àqueles com os quais discordamos e permite uma base para afirmar nossas convicções teológicas com base na Bíblia, em vez de fomentar o ódio religioso.

Em resumo, embora possamos encontrar pontos doutrinários cristãos em seitas gnósticas, isso não significa que estamos copiando os gnósticos. Historicamente, foi o contrário: os gnósticos copiaram os cristãos. Apesar das semelhanças nos ensinamentos, é academicamente injusto e até mesmo um desvio da verdade afirmar que tais igrejas adotam o pensamento gnóstico quando, na verdade, ocorreu o oposto. O maniqueísmo, assim como o gnosticismo, incorporou diversos ensinamentos de diferentes religiões, incluindo o cristianismo.

Um problema que não pode ser ignorado é encontrar doutrinas gnósticas (não cristãs) em igrejas cristãs, como o livre arbítrio para a salvação, a reencarnação e o dualismo presente na batalha espiritual.

No entanto, o livre arbítrio calvinista não é semelhante ao maniqueísmo. Definitivamente, não acreditamos que as forças da luz e das trevas possam direcionar nossos caminhos. O que ensinamos está em consonância com o que Paulo ensina em Efésios 2. Naturalmente, o homem segue seu próprio coração, mas não consegue, por suas próprias forças, escolher a "luz", pois está morto em seus pecados. Não há uma batalha espiritual interna no homem caído, pois ele deseja e segue o caminho do pecado. Ele só pode ser salvo dessa terrível inclinação pecaminosa se Deus o libertar dessa escravidão (Efésios 2.1).

Gostaria de concluir este texto com uma pergunta simples que deve orientar nossas mentes e corações quando tratamos daqueles com os quais discordamos: É normal e cristão disseminar informações falsas sobre pontos de discordância a fim de promover o ódio religioso? O Espírito Santo poderia capacitar um crente a mentir e ensinar falsidades para promover o ódio por uma determinada convicção teológica?

Em última análise, a Bíblia parece afirmar que o diabo é o pai da mentira. Devemos nos perguntar se abandonamos essa simples verdade para nos sentirmos bem. Se o fizemos, haverá salvação para nós?

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