Devo batizar meus filhos pequenos?

Devo batizar meus filhos pequenos?

Uma das questões mais difíceis de explicar a cristãos de denominações dispensacionalistas e batistas reformados hoje em dia.
Nós crescemos numa cultura que não considera a doutrina da aliança, por isso a maioria das igrejas batizam apenas pessoas que são convertidas ao evangelho depois de adultas, as crianças são consideradas da mesma maneira, crescem na igreja, mas só podem ser batizadas quando aceitam a Jesus após uma certa idade. Mas, como entender o pedobatismo sem ofender ninguém? É sobre isso que quero falar com vocês hoje. Pra isso eu prefiro usar as perguntas mais comuns e respondê-las com o máximo de clareza, vamos lá:

01 - As crianças não tem do que se arrepender, então não precisam ser batizadas.

É verdade que João Batista inicia o Novo Testamento batizando aqueles que se arrependiam de seus pecados. Porém não é deste evento em particular que o batismo surgiu, ele é na verdade uma continuidade teológica e tradicional do Antigo Testamento.
Paulo ao citar o batismo aos irmãos de Corinto lembra que nossos pais foram batizados na água do Mar Vermelho (1Co 10.2). É importante lembrar que não apenas os pais, mas toda aquela geração foi batizada naquele evento. Mas, é ainda mais importante lembrar que, no verso 5 Paulo diz o seguinte: “Mas Deus não se agradou da maior parte deles, por isso foram prostrados no deserto” - ou seja, o batismo não tem o poder de fazer a pessoa ser perdoada e aceita por Deus, ele não apaga nossos pecados. Esperar que alguém seja batizado para ser perdoado é ir contra o que a teologia bíblica ensina.
Na travessia do mar vermelho certamente passaram dezenas, ou até centenas de crianças, que no futuro seriam rejeitadas por Deus pois não eram do seu povo. Então, a ideia de que a criança não pode se batizar por não ter do que se arrepender não faz sentido também, uma vez que não é esse evento que perdoa os seus pecados.
O batismo bíblico é um símbolo que aponta para algo feito por Deus, uma bênção dada por Deus. Veja que o povo de Deus atravessou o mar vermelho porque Deus separou o mar em dois enquanto os livrara da escravidão do Egito. Chamamos isso de monergismo, quando a graça salvífica de Deus vem ao encontro do homem. De igual modo, as pessoas no Novo Testamento eram batizadas depois de receberem uma bênção muito maior do que aquele experimentado pelo povo no deserto. Deus opera em nós a salvação e o seu Santo Espírito nos leva ao arrependimento, só após isso um adulto deve ser batizado. O batismo é um sinal, como a separação do mar vermelho, como a marca de sangue na porta dos hebreus enquanto estavam no Egito, que abençoou os pais e os filhos ao mesmo tempo.
O maior erro desta pergunta talvez seja o fato de considerar que uma criança não tenha pecado, que ela é santa como Deus é santo e por isso não tem do que se arrepender. Sei que é um assunto difícil, mas rejeito os pensamentos pelagianos quanto a esse tema e fico com o que Paulo ensina: Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus.
Mas a questão do batismo infantil ainda não envolve esse ponto, ou seja, não se trata de uma criança recém nascida se arrepender e crer em Jesus. Vamos ver isso daqui a pouco.

02 - O pedobatismo é uma invenção católica, por isso deve ser rejeitada.

Talvez esse seja o ponto mais assustador da questão. Como podemos continuar algo que a igreja católica romana fazia? Isso não é contraditório, sendo nós, protestantes? Não é, e na verdade essa não é a única coisa que mantivemos do catolicismo romano. A ideia de ir na igreja, ouvir o sermão, pedir perdão e outras coisas mais, eram praticadas no catolicismo também. Portanto, esse argumento não é válido para impedir uma criança de ser batizada. Ainda não tentei responder o porque batizamos crianças, apenas contestei o que se tem falado sobre o tema.
O que o protestantismo rejeitou no catolicismo foram as doutrinas pagãs que se infiltraram com o tempo, tais como a adoração ou veneração à Maria e a outras pessoas, a cobrança de impostos da fé e outras coisas que foram deixadas no passado. Fora isso, a igreja católica romana era, e isso precisa ficar bem claro, uma igreja cristã. Até meados do século 4.
Hoje em dia o batismo infantil romano não é aceito em igrejas protestantes porque o romanismo não é mais considerado uma igreja cristã. Eles abandonaram o cristianismo a muitos séculos, mesmo tendo forma de igreja cristã. Nesse sentido, nenhum batismo católico é visto como um batismo cristão.

Então porque batizamos crianças?

Obviamente você vai encontrar dezenas de respostas sobre a questão, espero que a minha possa acrescentar algo sobre ela.
O pedobatismo não tem relação com a salvação daquele que se arrepende, mas com a aliança da graça. Geralmente as pessoas acham que a graça de Deus se inicia no Novo Testamento, ignorando o fato de que esta mesma graça alcançou Noé e seus filhos, Abrão e sua esposa, José e sua casa, etc. A graça de Deus está atuando no mundo desde que Adão e Eva foram expulsos do Éden, é apenas por sua graça que Ele gentilmente vem a nosso favor.
Veja que Noé demonstrou fé ao ser alcançado pela graça de Deus, após isso ele e sua família foram batizados no dilúvio. Nem todos dentro daquela arca foram salvos, mas por estarem sob a responsabilidade de Noé eles participaram do símbolo da fé. O mesmo aconteceu com o povo no deserto. O aliancismo considera fortemente o papel do pai na família e entende que, por ser o sacerdote do lar, a família toda participa em certo grau dessa bênção dada pela graça de Deus. Por isso as crianças entram na aliança pelo batismo.
Ele é mesmo uma referência ao que acontecia na circuncisão, porém ficou popularmente conhecido que a Bíblia ensina a circuncisão para a salvação, uma coisa que não é uma realidade quando observada de perto. Vejamos o que a instituição da circuncisão ensina de fato:

“Disse mais Deus a Abraão: Tu, porém, guardarás a minha aliança, tu, e a tua descendência depois de ti, nas suas gerações. Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós, e a tua descendência depois de ti: Que todo o homem entre vós será circuncidado. E circuncidareis a carne do vosso prepúcio; e isto será por sinal da aliança entre mim e vós. O filho de oito dias, pois, será circuncidado, todo o homem nas vossas gerações; o nascido na casa, e o comprado por dinheiro a qualquer estrangeiro, que não for da tua descendência” (Gênesis 17:9-12).

Observe no texto os seguintes pontos:
A - A responsabilidade de guardar a aliança era de Abraão e de toda sua descendência, ou seja todos os seus filhos. Isso significa que não apenas o pai, mas os filhos são responsáveis por obedecer a Deus na aliança da graça. Isso é ensinado às crianças quando vão à escola bíblica dominical;
B - Deus exigiu que os homens, na aliança da graça, fossem circuncidados. Ou seja, não era uma opção para Abraão, ele deveria obedecer para que fosse cumprido sua parte. Veja que Deus disse “Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós, e a tua descendência depois de ti”. O que acontece no novo testamento é que os novos convertidos não participam da circuncisão, mas do batismo, enquanto que, no Antigo Testamento, para um gentio ser aceito pelo povo teria também de ser circuncidado, mesmo após os 8 dias instituídos na aliança com Abraão. É por isso que hoje em dia se batiza adultos antes de serem reconhecidos como membros da igreja.
C - A circuncisão era um “sinal da aliança”, não era a aliança em si, mas um sinal! Assim como o batismo é hoje. Mesmo aqueles que negam a doutrina da aliança batizam pessoas como um sinal de que elas foram alcançadas pela graça salvífica de Deus, quando nascem seus filhos eles não os batiza, mas apresentam a Deus na igreja - algo que é bastante semelhante ao pedobatismo em igrejas reformadas..
D - O verso 7 indica que essa vontade de Deus não é apenas para o povo de Abraão, mas para todo o povo de Deus, quando Ele usa o termo “perpétuo” é exatamente isso que quer dizer, porém, sabemos que o Novo Testamento inicia-se com essa mudança, da circuncisão para o batismo e por isso não circuncidamos pessoas, mas batizamos elas com a mesma intenção do Antigo Testamento, de servir como um sinal da graça de Deus.

Já no Novo Testamento, alguns judeus acreditavam que a circuncisão de alguma maneira salvava os novos convertidos (At 15), hoje em dia esse problema ainda é comum, mas me parece que até eles atualizaram a heresia. Na época dos apóstolos era comum crer que a circuncisão salvava o homem, hoje alguns creem que o batismo salva. Mas o Novo Testamento não apoia essa ideia, a salvação é apenas pela graça de Deus, mediante a fé. Como foi com Noé e os outros heróis da fé. Creio que esse tema seria totalmente sanado estudando a carta aos Hebreus, recomendo fortemente isso.
Respondendo a pergunta de forma direta e objetiva, eu digo que a doutrina da aliança nos leva a batizar nossos filhos. Eles são considerados membros da igreja por estarem sob nosso cuidado, assim como acontece no Antigo Testamento e é seguido de perto na cultura do Novo. Então, não se trata de salvar ou não a criança, pois isso o batismo nas águas não pode fazer; não se trata de ter ela se arrependido ou não, pois Judas esteve do lado de Jesus, comeu, caminhou e conversou com ele, porém jamais se arrependeu. Mas, enquanto esteve sob os cuidados do Salvador ele foi abençoado pela presença da aliança da graça. É exatamente isso que fazemos com nossos filhos. Ou, deveria ser o comum em lares cristãos.
Então, quando pensar em exemplos na Bíblia sobre o batismo de crianças, lembre-se dos filhos de Noé, de Abraão e daqueles que atravessaram o deserto sob os cuidados da aliança de Deus, mesmo que, no final do percurso eles foram negados quanto à entrada na terra prometida. Os pais receberam o batismo no Mar Vermelho e os filhos também.
É preciso tomar cuidado para não confundir as coisas. Nem a circuncisão, nem o batismo são suficientes para salvar alguém. O inferno está carregado de judeus que foram circuncidados e cristãos que passaram pelas águas, mas que nunca creram de fato em Jesus e por isso não foram salvos da perdição eterna. Tente não esquecer de que a fé está ligada à salvação desde o Antigo Testamento e não apoie a ideia de que é no batismo que alguém é salvo, pois, assim como Deus disse a Abraão, essas coisas servem de sinal daquilo que Ele já fez por eles.

Então devo batizar meu filho?

Se você é cristão protestante e está em uma igreja cristã protestante que tem esse costume, não negue o batismo a seu filho. Mas não se esqueça de que você tem o papel fundamental no crescimento dele, ele vai fazer o que você ensinar sobre a fé. Pregue a palavra pra ele, peça que se arrependa, ore com ele. A fé vem pelo ouvir, não pelo batismo. Isso vale em qualquer idade. Um recém nascido tem total capacidade de ouvir o evangelho; como ele vai responder a isso, só Deus sabe, mas creio que Deus tem total controle sobre como quer fazer.
Se você batizar seu filho, e ele se desviar do Senhor depois de velha, e se perder no mundo, tenha certeza de que você fez absolutamente tudo que precisava para que ele não se desviasse da fé e recebesse esse terrível castigo eterno. Então não negue a seu filho nenhum benefício da aliança da graça, do batismo ao discipulado e em seguida à confissão de fé.

Devair S. Eduardo

Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Excelente material. Anotei aqui também sua indicação para estudar o livro de Hebreus. Parabéns!

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

CRÍTICA TEXTUAL EM CRISE

Cego de Jericó - Adoração humilde

O QUE HOUVE COM O PROJETO BLUE BEAM?