Crônicas de Zephira #4

QUATRO

Cansada e ainda sentindo as dores e todos os golpes daquela noite Diana estava confusa, não sabia exatamente o motivo de ter aceito tudo aquilo. A moça nunca foi tão religiosa assim para acreditar em coisas como revelação e vontade de Deus. Para ela aquilo pertencia a um mundo diferente, mundo que estava à beira de um colapso devido a atual forma de governo, porque entrar agora nele? Pensava a moça quando terminava de subir os degraus.

Passava das dez da noite, era uma sexta feira fria no alto do morro onde marcaram de se encontrar, a escuridão e as luzes laranjas do poste não deixaram ela identificar bem quem estava esperando, exceto pela voz. Ela caminhava ainda sem fôlego e com uma decisão muito firme a respeito de tudo que havia acontecido naquele dia, ele não podia durar mais um minuto. Não seria sustentável para alguém como ela participar de uma guerra assim, do nada!

- Como você está Diana? Está machucada… droga, aqueles caras vão pagar! – Disse Carlos enquanto ajudava Diana ainda mancando a se sentar num banco embaixo de uma antiga castanheira. O vento corria frio e a moça ajuntou as pernas contra o peito para se aquecer. Um breve período de silencio deixou quase que explicito que ela não gostara nem um pouco de tudo que acontecera e isso poderia ser um problema para o que viria depois.
- Esta foi uma das noites mais frias que passamos desde… deixa para lá… olha Carlos, veja quantas pessoas perdidas lá embaixo. – Páti estava em cima da certa de ferro, com os pés na grade superior olhando para baixo enquanto o vento balançava quase que com fúria a roupa emprestada de Diana, com as mãos na cintura e à luz daquele luar quase morto a garotinha quase lembrava um antigo super-herói, daqueles que usavam roupas especiais dos quais as crianças da minha época não conhecem mais.
- Venha Diana, venha ver estas pessoas. Preciso explicar algumas coisas rápidas a você… vejo que já está cansada demais por hoje, logo iremos para casa. – Puxou a moça com delicadeza até a cerca de onde podiam ver grande parte da cidade do setor 10, o mar escuro mais à frente e parte do setor 9 com seu brilho branco 1600k. Vila Velha, como já foi conhecida era agora o que o centro fora a quase cem anos atrás, todos partiam para lá quando precisavam de coisas importantes. O setor 10 ficou abandonado a muito tempo atrás e naquela época abrigava apenas pessoas sem muitas condições, como aqueles três estranhos conversando ao abrigo da fria castanheira envelhecida.


- O que foi tudo isso? Do início ao fim, quero que me conte de uma vez por todas! – Exclamou a moça puxando Carlos.
- Carlos… precisamos contar a ela… mesmo sabendo de sua decisão momentânea… não tem como fugir de todas as regras…
- Como assim “sabendo da minha decisão”? O que você está dizendo e porque essa garotinha se comporta como adulto Carlos? – Já brava com o que estava acontecendo Diana correu em direção a Páti retirando a menina de cima da cerca enquanto esperava alguma resposta de Carlos, calado até o momento.
- Sim, Diana, preciso explicar muitas coisas a você… olhe – apontou para baixo – consegue ver quantas pessoas estão indo de um lado para o outro numa noite fria como essa? Veja como as pessoas são parecidas com… formigas se olhar do ângulo certo…
- Eu não tenho mais tempo para filosofias Carlos, diga o que interessa antes que eu vá embora!
- Ele está dizendo Diana… não é filosofia, não agora! – Replicou a menina quase que sorrindo, agora deitada com as pernas no encosto do banco gelado.
- O que tem as pessoas? Não vejo nada que possa responder, estou indo embora. Vocês me fizeram perder muito tempo com essa loucura de religião! – Ela ajeitou a blusa virando em direção à escadaria quando foi impedida por Páti.

- Não existe a expressão “ir embora” mais Diana, estamos envolvidos em algumas coisas maravilhosas demais para decidir ir embora, peço desculpa pela forma como você conheceu parte disso hoje. Está assustada, eu compreendo…
- Como… você consegue dizer coisas tão adultas sendo tão pequena Páti? Isso é muito estranho, preciso sair desse lugar agora!


- A verdade Diana! Em dois minutos eu te conto toda a verdade, sem filosofias e enrolações – Chamou Carlos ainda encostado observando as pessoas andarem na avenida principal lá em baixo. Neste momento Diana parou, ainda de costas para a dupla.
- Você tem dois minutos…

- Muito bem, é só isso que eu preciso. – Virou-se para a moça enquanto Páti voltava ao banco ficando sentada balançando as penas prestando atenção em tudo que acontecia entre os dois.
- A mais de dois mil anos uma mensagem tem sido propagada pelo mundo. Alcançou todo o mundo fazendo as pessoas refletirem, outras rejeitarem, mas o mais importante é que esta mensagem tem alcançado pessoas especificas, escolhidas com muito cuidado e deixadas na responsabilidade de pessoas como nós éramos, até que a maldita guerra cultural fez com que a única mensagem verdadeira fosse proibida de ser repassada. Graças a isso muitos irmãos foram mortos, outros se perderam pelo caminho errado, e, com isso as pessoas não estão sendo mais alcançadas, nenhuma delas estavam sendo despertas para a realidade a qual você foi chamada. Desde então somos enviados a pessoas específicas, não pregamos mais ao acaso, como antigamente, por isso chegamos a você hoje! Chegou a sua vez e somos apenas os representantes dessa mensagem. 


- Como podem ter me escolhido? Não visito a uma igreja bem antes de estourar a guerra, não há motivo algum para se importarem comigo…
- Não se trata de ter ou não se envolvido, você sempre fez parte, só estava adormecida… assim como eu e tantos outros que estavam e foram chamados – disse com voz tão baixa que fez com que ela virasse para ouvir melhor enquanto ele caminhava em sua direção.
- Você não começou a fazer parte deste reino hoje Diana, sempre fez… é parte dele e ele é parte de você. Deus nos mandou até você hoje para lhe dizer que vai ser uma peça muito importante para a história de milhares de pessoas e no fim estaremos todos juntos com Ele. – fez uma pausa para que a moça absorvesse tudo aquilo.



A moça suspirou forte e ambos ficaram se olhando por um segundo até que ela mesma quebrasse o gelo. A verdade talvez fosse que não tiveram muito tempo naquela noite para conversar e Carlos e Monopáti não tiveram a chance de planejar uma noite como aquela. Geralmente as pessoas são chamadas, ouvem a mensagem do evangelho e são despertas para o reino de Deus, mas aquela situação passava longe de uma simples conversa.

- Não posso aceitar alguma coisa no estado que estou… quem sabe outro dia eu consiga até mesmo entender tudo que me falou…
- Compreendemos você Diana, o seu tempo chegou, mas você precisa descansar um pouco. Sabíamos que haveria alguma resistência e talvez por isso você foi escolhida para a missão que vamos te passar. Vá para casa, descanse. – Diana já descia as escadas sentindo o vento frio subir por elas quando parou para ouvir a última palavra de Páti. Ao virar para a dupla não conseguiu mais os ver, era como uma ilusão e a moça de repente estava sozinha. Sentiu que alguma coisa realmente podia fazer sentido e o fato de eles realmente ter desaparecido fez com que a moça sentisse algum medo de que aquilo tudo fosse verdade.


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