Crônicas de Zephira #2

Dois

O suspiro de Diana provavelmente o teria assustado. Sentou-se no sofá com as mãos no rosto como que esperando ser apenas parte de um sonho, pesadelo ou visão, qualquer coisa que não fosse a realidade.

- Sim, estou aqui ainda… diferente da sua visão… - disse a voz doce da menininha ainda parada na porta do banheiro – Pode me emprestar alguma coisa para me enxugar? Estou molhando seu tapete, acho… - Diana olhou novamente acreditando que ela realmente estava lá. Aquela estranha sensação de quando estamos na dúvida se o que está acontecendo é real ou não.
- Você também viu? – Perguntou com uma das mãos tapando a boca com medo da resposta. Estava em seu apartamento, até aí tudo bem, mas aquela menina nunca esteve lá.
- Sim! Não por aqui, mas da quarta camada sim, pude ver quem era… já pode me pegar alguma coisa para me secar? Ah sim, acho que você vai precisar de um banho também, vamos sair daqui a pouco… - Diana simplesmente desistiu das perguntas, não podia ficar pior do que estava e seguiu o que aquela estranha visitante havia dito. Ofereceu a ela algumas roupas que já estavam curtas demais para ela, uma bermuda amarrada com um cinto velho e uma blusa de frio larga amarela, mas que ficou um pouco grande demais para ela. Uma outra toalha foi usada para secar seus cabelos, pretos e pouco abaixo dos ombros. Após alguns minutos penteando e deixando a menina pronta conseguiu coragem para continuar o que podia ser chamado de diálogo.


- Como chegou até aqui?
- Eu trouxe você até aqui! – Risos.
- E como fez isso sozinha? Quero dizer, eu lembro de ter ouvido um som estranho no telefone e agora tudo isso aqui…
- Sim, lembro dessa parte… você estava caída, eu ajudei a trazer aqui
- Como se chama?
- Não sei ao certo, esqueci meu nome verdadeiro a muito tempo. Me chamam de Páti… de Monopáti, mas não sei porque…
- Um apelido estranho… obrigado por me deixar em casa Páti. Acho que já estou bem agora então… você já pode ir para casa.

A menina virou-se para Diana com um olhar sério como que se forçando a não contar alguma coisa.
- Ainda não posso ir Diana! Você precisa se arrumar, daqui a pouco ele vai estar aqui!
- Ele quem?
- Moro na rua Diana, a pessoa que cuida de mim precisa falar com você, sempre trabalhamos juntos, mas eu não posso contar nada do que ele mesmo precisa te dizer… é um assunto estranho para você e eu não sei como explicar direito. – Disse tapando a boca para não contar mais nada. Neste instante uma voz começou a gritar pela garotinha que se apressou em ir até a janela conferir se era a pessoa esperada.
- Ele está lá! Precisamos ir.

A verdade é que Páti precisava preparar Diana para entender um pouco sobre o que aconteceu naquela noite, mas a pobre menina não conseguiria explicar devido sua pouca experiência. O homem lá em baixo era o mesmo que fez a ligação a poucas horas atrás, sempre acontecia do mesmo jeito. Ele fazia a ligação com o estranho som, Páti aparecia para preparar a pessoa para as novas notícias, o que provavelmente havia acontecido com os dois a muitos anos atrás. Primeiro alguém é inserido, depois conhece toda a verdade sobre onde, como e o porquê estava lá. Bem perto do que acontece ainda hoje! Diana ainda não confiava na estranha história, mesmo assim foi levada a se arrumar e descer as escadas seguida de Páti.

Ao chegar na calçada uma pessoa já de idade esperava as duas. Usava uma jaqueta de couro maltratada pelo tempo, uma grande barba branca não permitia ver os detalhes do seu rosto, estava descalço, vestia calças rasgadas nos joelhos e o mais estranho, carregava uma velha bíblia preta em uma das mãos, com a outra recebeu a menina nos braços enquanto Diana ainda ajuntava coragem para se aproximar do estranho senhor.

- Venha Diana! Venha, não tenha medo. – Disse sorrindo e fazendo gestos com a mão enquanto a menina ainda o abraçava. Diana aos poucos se deixou levar e atravessou a rua até onde eles estavam.
- Tome, segura para mim. – Disse o homem levando a Bíblia até Diana que instintivamente a segurou, como quando recebemos um presente, mas não sabemos ao certo se é para gente ou não, seguramos pensando que a qualquer momento será pedido novamente. Aquele foi um dos melhores momentos para Diana, ao segurar aquela bíblia pode sentir como que a realidade sendo alterada ao seu redor, o mundo ficou maior e ela teve a estranha sensação de estar cada vez menor. Durou apenas alguns segundos e o homem em sua frente, que acompanhava tudo com um leve sorriso no rosto pediu a bíblia novamente, agora com Páti no colo.

- Venha Diana, precisamos conversar…

Caminharam durante alguns minutos por uma avenida principal até pararem em frente a um grande templo pintado de azul escuro com letreiros evangélicos chamando para entrar. Era uma igreja, umas das poucas que continuaram vivas após a grande guerra cultural. Permaneceu assim como as outras espalhadas pelas cidades, pregando textos que soavam com autoajuda e aceitando, como a lei pedia, tudo e todo tipo de comportamento. A guerra cultural foi responsável pelo desvirtuamento geral da igreja de Cristo, apenas as que não seguiam uma linha bíblia ficaram, as demais foram destruídas, compradas ou simplesmente esquecidas pelo tempo e por todos. Assim sendo eles estavam diante de um dos maiores templos religiosos da região 10, chamada anteriormente de Vitória.

- Veja, quanta estrutura e empenho para desenvolver um lugar de adoração… você já entrou em um templo antes Diana? – Perguntou apontando para a entrada da igreja lotada de fiéis do lado de fora, dentro igualmente.
- Vamos abrir os olhos de mais pessoas hoje Carlos? Estamos no lugar certo! – Disse com entusiasmo a pequena Páti o puxando para a entrada do templo.
- Há tempos eu não entro em alguma coisa religiosa. Quando pequena fui algumas vezes, mas após a reviravolta cultural tudo ficou tão claro que eu realmente não me interessei mais por este assunto, mas o que vamos fazer aqui?
- Hunf! Realmente a virada cultural fez com que muitas coisas ficassem explicadas, mas você não conhece tudo sobre o assunto, bem… vamos começar por aqui, depois responderei a suas questões.


Os três entraram e encontraram lugares como que separados para eles e enquanto aquele “culto” se desenrolava Carlos e Páti podiam ver bem mais do que qualquer fiel presente ali. Enquanto todos estavam como que em um transe pelo mesmo objetivo do mensageiro que suando na frente do púlpito entregava mensagens “divinas” Páti sentia novamente aquela presença assustadora e desafiadora tomando conta dos três visitantes, enquanto Diana apenas observava sem nenhum sentimento aparente todo aquele movimento de persuasão e transe momentâneo. Até que algo começou a ficar mais claro para ambos visitantes.

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