POR QUE O CRISTIANISMO MODERNO RESISTE À TEOLOGIA REFORMADA?

POR QUE O CRISTIANISMO MODERNO RESISTE À TEOLOGIA REFORMADA?

A resistência ao cristianismo reformado no contexto moderno representa uma tensão fascinante entre verdades bíblicas historicamente estabelecidas e as pressões culturais contemporâneas. Para compreendermos esta dinâmica, precisamos examinar tanto as raízes históricas quanto as influências filosóficas que moldaram esta situação.

As Raízes Históricas da Resistência

A teologia reformada sempre enfrentou oposição, mas historicamente essa resistência vinha de dentro do próprio cristianismo através de diferentes tradições teológicas. O arminianismo, por exemplo, surgiu como uma resposta direta às doutrinas da graça, especialmente à predestinação e à eleição incondicional. Esta tensão se intensificou durante os séculos XVII e XVIII, quando o Iluminismo começou a questionar a autoridade das Escrituras e a enfatizar a razão humana como fonte primária de conhecimento.

O movimento metodista de John Wesley, embora piedoso em muitos aspectos, popularizou uma teologia que colocava a decisão humana no centro da salvação, contrastando diretamente com a doutrina reformada da graça irresistível. Esta ênfase na capacidade humana de escolher ou rejeitar a salvação encontrou terreno fértil na cultura americana, onde o individualismo e a democracia se tornaram valores centrais.

Durante o século XIX, o revivalismo americano consolidou uma abordagem evangelística que dependia fortemente de decisões humanas e experiências emocionais. Charles Finney, por exemplo, desenvolveu técnicas evangelísticas que pressupunham a capacidade natural do homem de se converter, negando implicitamente a doutrina da depravação total. Esta tradição evangelística criou uma cultura cristã que via com suspeita qualquer teologia que limitasse o papel da vontade humana na salvação.

A Influência da Pós-Modernidade na Igreja

A pós-modernidade trouxe desafios ainda mais profundos para a fé cristã reformada. Enquanto a modernidade atacava a revelação em favor da razão, a pós-modernidade questiona a própria possibilidade de verdade absoluta. Esta mudança filosófica infiltrou-se na igreja através de várias avenidas.

Primeiro, o relativismo cultural levou muitos cristãos a questionarem doutrinas que parecem "exclusivistas" ou "deterministas". A predestinação, por exemplo, é vista como incompatível com noções contemporâneas de justiça e equidade. A ideia de que Deus escolhe alguns para salvação enquanto passa por outros ofende sensibilidades modernas que priorizam a igualdade e a autonomia individual.

Segundo, o terapeutismo infiltrou-se na pregação cristã, transformando o evangelho de uma proclamação da glória de Deus numa mensagem centrada no bem-estar humano. Esta mudança de foco torna difícil aceitar doutrinas como a depravação total ou a ira de Deus, que confrontam diretamente a autoestima humana e a busca pela felicidade pessoal.

Terceiro, o pluralismo religioso criou pressão para que o cristianismo se torne mais "inclusivo" e menos "dogmático". As doutrinas da graça, especialmente a perseverança dos santos e a eleição, são vistas como barreiras ao diálogo inter-religioso e à tolerância cultural.

O Problema da Autoridade Bíblica

Um dos aspectos mais preocupantes desta resistência é como ela mina a autoridade das Escrituras. Quando Efésios 1:4 declara que Deus "nos elegeu nele antes da fundação do mundo", ou quando Romanos 9:16 afirma que "não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece", muitos cristãos modernos preferem reinterpretar estes textos através de lentes arminianas ou até mesmo ignorá-los completamente.

Esta abordagem seletiva das Escrituras revela uma crise de autoridade mais profunda. Quando a experiência humana ou a sensibilidade cultural se tornam critérios para determinar quais doutrinas bíblicas são aceitáveis, a Sola Scriptura é efetivamente abandonada, mesmo que não seja formalmente rejeitada.

A Influência do Pragmatismo Eclesiástico

O crescimento da igreja também contribuiu para esta resistência. Muitos líderes descobriram que a pregação centrada na soberania de Deus e na depravação humana não produz o mesmo crescimento numérico que mensagens mais otimistas sobre o potencial humano. O pragmatismo eclesiástico, portanto, favorece teologias que "funcionam" em termos de atração de multidões e manutenção de membros.

Esta pressão pragmática é intensificada pela cultura do consumo, onde as igrejas competem por "clientes" oferecendo experiências religiosas atrativas. A teologia reformada, com sua ênfase na santificação progressiva e no senhorio de Cristo, pode parecer exigente demais para uma cultura acostumada à gratificação instantânea.

O Caminho de volta: Recuperando a Verdade Bíblica

Para enfrentar estes desafios, precisamos reconhecer que a resistência à teologia reformada não é meramente intelectual, mas espiritual. Como Paulo escreve em 1 Coríntios 2:14, "o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente".

A solução não está em tornar a verdade mais palatável, mas em depender do Espírito Santo para abrir corações e mentes. Precisamos pregar e ensinar as doutrinas da graça com clareza, paciência e amor, confiando que Deus usará Sua Palavra para transformar vidas.

Além disso, devemos demonstrar como estas doutrinas produzem humildade genuína, segurança espiritual e zelo missionário. Quando vividas corretamente, as doutrinas da graça não produzem orgulho ou complacência, mas gratidão profunda e desejo ardente de glorificar a Deus.

A igreja precisa redescobrir que a glória de Deus, não a felicidade humana, é o propósito central da existência cristã. Somente quando esta prioridade for restaurada, as doutrinas que exaltam a soberania divina e humilham o orgulho humano encontrarão seu lugar adequado na vida e pregação da igreja.

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