Crônicas de Zephira 2 - #01

PARTE 2 - CAP. UM

Vila Velha – 2011

Os pneus da pick-up s10 trepidavam no paralelepípedo do antigo bairro à beira mar, seu destino era uma entrega específica pouco antes do complexo penitenciário abandonado. Enquanto a encomenda, com etiqueta de frágil em todos os lados da caixa, saltava entre o painel e o banco almofadado o motorista olhava com atenção cada pessoa na rua. Em uma esquina e outra poderia estar o seu receptor. Entrou a esquerda numa distribuidora de bebidas com muro vermelho por todo o quarteirão e parou o carro na esquina observando o movimento. Da sua direita um rapaz jovem saiu de um beco o encarando friamente enquanto caminhava em sua direção, vestia jaqueta de moletom fechada e um gorro cobria parte de seu rosto enquanto uma das mãos segurava um cigarro nojento de maconha perto do fim.

- Cadê a p@#$%da encomenda tio!? – Gritou apoiando o cotovelo na janela do motorista. A fumaça com cheiro de maconha misturada com alguma coisa estragada invadia o nariz enquanto ele se recuperava do susto.
- Sabe quanto tempo demorei para retirar essa encomenda do porto? Esse pacote tem alguma coisa importante, tive de subornar quase dez federais para conseguir sair de lá…
- Isso não é problema meu seu merda.
O rapaz deu sinal para que uma mulher saísse do portão de uma das casas e buscasse o pacote. Ela retirou do carro em silêncio e saiu em direção ao beco gritando o nome de uma outra pessoa enquanto o motorista ligava o carro, depois com uma prancheta velha o receptor conferiu a lista falando para si mesmo cada item de uma estranha nota fiscal sem qualquer procedente. Ali estavam listados alguns microprocessadores, deveriam ser levados ainda a outra pessoa antes de chegar ao destino final.
Do beco a caixa foi parar nas mãos de um menino beirando os dez anos, ele segurou a caixa com toda força que pode e atravessou um buraco num muro antigo dando acesso à uma área de preservação ambiental, correu entre árvores e um alto capim numa trilha escondida dando acesso à beira-mar onde chegou a outro muro de proteção do antigo presídio. Parou por um instante antes de passar para verificar se não havia barcos ou botes próximo do local. Caminhou cerca de cem metros com as costas colada no muro antigo e grosseiro até ficar rente a um arbusto por onde cruzou os setenta metros que o separava de uma entrada no bueiro do presídio, desceu por escadas antigas e gastas até pular no piso seco e caminhar em direção à escuridão do bueiro abandonado a anos pela administração do local. Parou cerca de trinta metros até chegar em uma bifurcação feita na manilha dando acesso ao que poderia ser considerado outro esgoto, entrou à esquerda e parou dez metros depois e bateu com o pé contra a lateral da manilha sem fazer muito barulho onde estava. Dois minutos depois círculos de led infra-vermelho acendeu sobre ele, estava sendo verificado e pouco tempo depois a lateral da manilha se abriu revelando uma passagem secreta, embaixo do antigo presídio bem no centro da cidade.

Rapidamente o menino desceu, agora por escadas descentes, passou por seis corredores contendo filas de servidores, três corredores em cada lado, cada um com um monitor ligado pesquisando por alguma coisa até chegar a uma sala central contendo um monitor gigante, uma cadeira e uma porta branca com tantas trancas que demoraria uma hora para abrir. Ao lado uma mesa de mármore preto segurava pilhas de documentos secretos contendo fotos de pessoas desaparecidas, conversas via sms, e-mails trocados e depoimentos retirados de vítimas e atrás de toda papelada um homem sobre um mapa e um lápis em uma das mãos girando nos dedos na expectativa de decifrar algum mistério.
- Doutor, recebi seu pacote… está leve dessa vez – disse colocando a caixa sobre a mesa e entregando-lhe a nota fiscal.

- Esta não é apenas a parte mais leve do projeto, é o cérebro de cada sentido e movimento dele… e com essa quantidade ele vai ficar muito mais inteligente do que um ser humano qualquer. – Disse satisfeito enquanto analisava o documento entregue pelo garoto. Não pode concluir seu raciocínio antes de ouvir o telefone perdido sob os papéis tocar.
- Alô! Edson?! Atende logo droga, doutor Boff por favor, preciso falar com ele agora! – Gritava do outro lado ofegante como que acabado de parar de uma corrida.
- Oi Schultz… qual o motivo de tanta afobação?
- P@#$% doutor! O projeto Gênesis 6 foi roubado, eu… eu não sei mais o que fazer… eu preciso da sua ajuda para encontrar o pessoal que entrou aqui, quebraram tudo Boff, meus computadores, minhas pesquisas… só levaram o caderno onde eu anotava tudo sobre o projeto… se isso chegar nas mãos erradas eu não sei o que pode acontecer…
- Schultz, onde você está? Vou pedir para um dos meninos te trazer até aqui… mas o que eu tenho haver com esse projeto? Você não mantém backup em nuvem ou em outro lugar, sei lá Schultz!
- Edson, se esse projeto cair nas mãos erradas vai dar merda… preciso que você me ajude a encontrar isso o mais rápido possível senão eu não consigo mais impedir qualquer coisa de errado com a gente. Estou no porto de Vitória, manda um barco me buscar agora aqui! – E desligou o telefone ainda ofegante.

Schultz era um cientista que a muitos anos serviu para a força aérea norte americana onde ele roubava ou desenvolvia armas para guerras e soldados na época em que a força vermelha estava começando a se preparar para o controle mundial. Compartilhava alguns resultados de suas pesquisas com o doutor Edson Boff com as quais eles conseguiram levantar um enorme campo de pesquisa de pessoas desaparecidas no Brasil e no mundo, até aquele momento suas pesquisas apontavam para corpos abandonados e pessoas que simplesmente não existiam mais, o projeto Gênesis 6 era um avanço considerável que ainda não havia sido passado a ninguém tamanho o problema que ele poderia significar. Edson Boff teve uma filha roubada ainda com quatro anos de idade, desde então não conseguira parar de pensar e procurar por pistas, contatos, caminhos ou qualquer coisa que desse ao menos esperança de encontrá-la. Após alguns anos e notando que diversas pessoas passaram pelo mesmo problema eles se uniram em um projeto ousado e milionário, além de perigoso, para buscar pessoas que tinham desaparecido sem deixar rastros, o projeto Gênesis era um último recurso que seria aplicado, porém antes de ser passado ao doutor Boff foi roubado por outra instituição aparentemente interessada nos possíveis resultados. Duas horas depois e ainda ofegante o pesquisador desce as escadas do laboratório secreto correndo em direção à mesa onde Edson ainda se debruçava sobre um mapa girando um lápis em uma das mãos enquanto escorregava o mapa de um lado ao outro tentando entender alguma coisa.

- Acalme-se Schultz! Eu mal pude entender o que você tentava me falar… - Ele se ajeitou numa outra cadeira ofegante ainda com o problema que trouxera do lado de fora. Suas mãos estavam inquietas e ele olhava para os lados como que desconfiado. – Me explica isso de projeto Gênesis 6 desde o início… senão eu não vou te ajudar em nada.
- A uns quinze anos nós descobrimos no meio do condado de Custer em Idaho… eu ainda lembro as coordenadas… 44.554529, -114.888981. Enfim, isso não importa agora, nós descobrimos lá em uma cabana abandonada um computador rodando com oito processadores quânticos e apenas um software, desconfiamos de alguma coisa, não haviam antenas ou outros aparelhos eletrônicos, apenas um computador e uma placa fotovoltaico e uma bateria pequena. O software nesse computador parecia calcular alguma coisa em PROMPT e estava em noventa porcento de processo, esperamos durante oito dias acampados para saber qual resultado seria mostrado e era uma das coisas mais estranhas do mundo, como resultado de uma pesquisa de cálculos e simulações ele dizia que dentro da faixa de data estabelecida não haveria nada! Não estou dizendo nada no planeta, o resultado dizia que não existiria nada, nem planeta, nem sistema solar, nada! Entende? Após recebermos o resultado nossa equipe de inteligência conseguiu decifrar todos os códigos do software e encontramos diversos dados religiosos e científicos instalados num único módulo e parte do processamento de dados dele usava informações sobre cálculo de abertura de portais usando a quebra do eletromagnetismo no espaço em conjunto com a quebra da força gravitacional… desde então eu venho aprimorando o projeto inicial, naquela época ele seria usado para mostrar em um monitor verde e preto o resultado de algum cálculo, hoje ele abriria portais entre o passado, o futuro e um mundo que eu chamei inicialmente de mundo metafísico porque ele parece ser alguma coisa que não existe, mesmo exercendo uma grande energia no passado, presente e futuro… como os cálculos daquele computador apontava que não existiria nada no futuro eu analisei os dados religiosos e vi que em um espaço/tempo existiu uma era ou uma época onde as pessoas possivelmente tinham a mesma ou superior tecnologia que temos hoje… esse projeto dá acesso a essa era.

- Você enlouqueceu? Está dizendo coisa com coisa Schultz… estou perdendo o meu tempo com você, por favor me deixa trabalhar. – Disse afastando a cadeira da mesa e voltando-se ao monitor que mostrava diversos cálculos e coordenadas enquanto conversavam.
- Edson, você não consegue ver como isso tudo pode ser importante para você também? A quanto tempo você procura por ela? Essas pessoas podem estar sendo levadas para um lugar qualquer no passado ou no futuro!
- Este projeto envolve alguma máquina grande ou difícil de ser criada? Poderíamos adaptar ela para ser carregada? – Disse coçando o queixo pensativo.
- São apenas códigos e vibrações para quebrar a sequência das forças eletromagnéticas e ondas gravitacionais, pode ser colocada num celular… ainda lembro do projeto e tenho uma cópia dos códigos escondidas em mim… - terminou apontando para um pequeno implante abaixo do queixo escondido em um punhado de barba.
- Interessante notícia Schultz, se você não ficou louco… eu tenho um projeto que se encaixa bem no seu… tenho montado ele há um tempo e hoje mesmo eu iria finalizar… - Disse baixo enquanto mudava usa atenção do monitor para a porta, abrindo cada cadeado com muito cuidado, um erro na abertura e os demais se trancariam de forma que não haveria mais chances de passar pela porta.
Do outro lado duas macas roubadas sustentavam dois corpos, um comum e outro que lembrava uma pessoa obesa. Ambas cobertas com lençóis preto e um computador entre elas mostrando partes de um projeto robótico. As luzes eram baixas e Schultz não entendeu bem o que havia embaixo dos lençóis, o local era protegido por uma parede de vidro com uma porta à esquerda. Schultz ficou observando com uma das mãos no vidro gelado pelo ar condicionado enquanto o doutor Edson Boff entrou, caminhou devagar entre as duas macas passando as duas mãos no que quer que estivesse embaixo delas, parou virando-se para o pesquisado do outro lado.

- Eis o meu projeto para encontrar pessoas… vinte e cinco microprocessadores quânticos unidos, cada um correspondente a uma função diferente, algumas funções com mais de três processadores. Cinco baterias recarregáveis e um painel solar embutido, conexão entre duas partes via sinal wireless 6.8ghz e conexão via satélite para encontrar e acessar qualquer território deste planeta, em breve a lua e depois marte… todos os idiomas da Terra, identifica tudo em qualquer pessoa a partir de gestos, respiração, odor e forma de se mover, falar e olhar… - terminando com um sorriso no rosto e um olhar tão altivo quanto alguém que descobre alguma coisa impressionante o doutor Edson Boff puxou de uma só vez os dois lençóis!
.
.
.
.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CRÍTICA TEXTUAL EM CRISE

Cego de Jericó - Adoração humilde

O QUE HOUVE COM O PROJETO BLUE BEAM?