Os pergaminhos da Bíblia foram modificados? Incluíram ou removeram textos?


Os pergaminhos da Bíblia foram modificados? Incluíram ou removeram textos? Eis uma resposta

Em 2023, recebi um comentário sobre a diferença entre as traduções. O autor questiona o fato de que os pergaminhos que geraram as traduções mais modernas, chamados de textos críticos (Novo Testamento), contêm o texto correto, e os pergaminhos receptus, o texto com anotações adicionadas pelos copistas.

Essa questão é bastante pertinente, e vale a pena pensarmos um pouco sobre ela. A ideia do texto é pensar em como isso poderia ser o contrário, ou seja, os pergaminhos mais antigos, chamados críticos, foram adulterados e não o contrário. Nesse caso, os textos tradicionais contêm o texto integral da Bíblia, enquanto os críticos contêm modificações e exclusões ao longo do tempo.

Para entender melhor, precisamos voltar no tempo e enxergar como essas mudanças aconteceram entre o primeiro e o segundo século, período em que esses pergaminhos estavam em circulação. Segundo Irineu de Lião, pai da igreja que viveu entre 130-202 d.C., um grupo de religiosos mistos (como os liberais modernos) tentou a todo custo modificar as bases do cristianismo, arrastando cristãos a cultos estranhos. O tema é tratado com bastante cuidado na obra "Contra as Heresias", que ainda pode ser comprada hoje.

Essa informação é bastante relevante pois, foi dessa seita que surgiram centenas de textos chamados hoje de pseudo-apócrifos, contendo supostas histórias e evangelhos ensinando parte de suas heresias. O que aconteceu no segundo século? Basicamente, os religiosos gnósticos tentaram criar um pseudo-cristianismo em que fosse possível acreditar em Jesus ao mesmo tempo em que acreditavam em suas histórias religiosas mal contadas. Tentaram a todo custo anexar sua fé ao cristianismo com estratégias bastante elaboradas, mas esse plano foi frustrado pelos cristãos da época.

É possível, portanto, que existissem na época dois tipos de textos produzidos pelos gnósticos. O primeiro que citei acima, chamado de pseudo-apócrifos, e o segundo é o que nos faz pensar hoje: são as cópias adulteradas fabricadas por copistas gnósticos. Ou seja, cópias do Novo Testamento produzidas a partir do século II com o conteúdo modificado propositalmente, a fim de atender às necessidades ideológicas de tais religiosos. É inegável que gnósticos tenham escrito no segundo século, mas poucas pessoas analisam o fato de terem modificado os textos do Novo Testamento também.

Outra informação relevante sobre o problema é que, dentre os achados do Mar Morto, onde viviam os chamados Essênios, estavam cerca de 972 pergaminhos. Porém, apenas uma parte desses textos (220) era da religião de Yahweh. Os demais textos tratam de outras religiões e doutrinas, diferentes do que o Antigo Testamento ensina. Isso mostra que adulterar textos bíblicos não faz parte da modernidade, como alguns pensam. Dentro daqueles achados do mar morto é possível encontrar modificações do Antigo Testamento também.

Um fato bastante ignorado, principalmente quando se trata de traduções, é que o povo judeu esteve por centenas de anos envolvido com outras religiões. Por isso, Deus os condenou durante tanto tempo, por estarem envolvidos com as religiões que, posteriormente seriam inseridas na fé gnóstica. Isso gerou, inclusive, a religiosidade judaica na época de Jesus e atual, onde é possível encontrar doutrinas gnósticas inseridas, como a cabala, por exemplo. O povo judeu [da época de Jesus] não é [e não era] como no Antigo Testamento, mas ignorar isso é muito comum quando se trata de crítica textual. Esses problemas podem ter sido passados para cópias da Bíblia sim, incluindo o Antigo Testamento. Concordo, porém, que Deus tenha, em todo o tempo, preservado a sua Palavra usando pessoas realmente piedosas, talvez até mesmo dentre o povo judeu. Porém, certamente, essas pessoas não eram as que habitavam as cavernas de Qumrán.

Uma última questão importante é o fato de que o primeiro cânon "cristão" foi produzido oficialmente por um gnóstico chamado Marcião. Marcião foi um teólogo e líder religioso que viveu no século II d.C., fundador de uma comunidade cristã conhecida como marcionitas ou marcionitas.

A principal característica distintiva de Marcião foi sua teologia dualista e sua visão radical da relação entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Ele ensinava que o Deus do Antigo Testamento (o Deus criador) era um Deus vingativo, legalista e irado, enquanto o Deus do Novo Testamento (o Deus revelado em Jesus Cristo) era um Deus de amor e misericórdia. Marcião argumentava que Jesus Cristo foi enviado pelo Deus do Novo Testamento para resgatar a humanidade das garras do Deus do Antigo Testamento.

Este importante líder gnóstico criou o primeiro cânon das Escrituras; no entanto, como acontece hoje em dia, ele moldou os textos já existentes para que atendessem aos conceitos religiosos que adotara. Marcião foi o primeiro a remover textos da Bíblia, e isso aconteceu ainda no século II - veja, o texto mais antigo também é o texto de um gnóstico. Portanto, o argumento da idade do texto não justifica a aceitação do mesmo. Ele pode ser antigo e ruim ao mesmo tempo.

Veja, por exemplo que o cânon de Marcião era composto por:

  • Evangelho de Marcion (Evangelho de Lucas Marcionita): Marcião aceitou apenas um Evangelho, que é uma versão fortemente editada do Evangelho de Lucas encontrado no Novo Testamento cristão padrão. Ele omitiu passagens que faziam referência ao Antigo Testamento e qualquer elemento judaico que pudesse sugerir que Jesus estava relacionado ao Deus do Antigo Testamento. O Evangelho de Marcion também começava com uma versão diferente da narrativa de nascimento de Jesus.
  • Epístolas Paulinas selecionadas: Marcião incluiu algumas das epístolas de Paulo encontradas no Novo Testamento padrão, mas também fez edições nesses textos para alinhar-se com sua teologia dualista. Ele aceitou as seguintes epístolas: Gálatas, 1 e 2 Coríntios, Romanos, 1 e 2 Tessalonicenses, Efésios, Colossenses e Filipenses. Além disso, ele rejeitou as epístolas pastorais (1 e 2 Timóteo e Tito) porque elas defendiam uma conexão entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento.
  • Marcião rejeitou todos os outros escritos do Novo Testamento, bem como o Antigo Testamento, argumentando que eles não tinham relação com o verdadeiro Deus do cristianismo, o Deus de amor revelado por Jesus Cristo.

Então, deixa eu resumir um pouco a informação para que você compreenda melhor a grande questão do texto. Os textos encontrados em Qumrán, um total de 972 pergaminhos (até 2021), continham 220 cópias do Antigo Testamento e outros 752 de outras religiões. Praticamente Qumrán tinha uma biblioteca pagã, e alguns livros eram da nossa religião. Marcião, um teólogo posterior, mas inclinado a outras religiões, usou os textos já existentes, removeu o conteúdo que não agradava e criou sua própria versão da Bíblia. Ao longo da história, temos mais exemplos de pessoas que removeram parte do texto bíblico do que o contrário, pessoas que incluíram anotações no texto bíblico.

Assim como Marcião, editoras modernas continuam modificando o texto, mas sempre reduzindo-o, não o contrário. Removem uma palavra aqui, modificam outra palavra ali e aos poucos o plano de Marcião vai se concretizando em nosso tempo. Por isso, a ideia de que os textos receptus são mais confiáveis do que os críticos é, na minha opinião, mais verdadeira. Outro argumento contra os textos críticos é o fato de que são bem poucos e foram encontrados em lugares onde o gnosticismo já estava em crescimento. Sobre isso, postarei outro texto em breve. Desde já, sinta-se desafiado a pesquisar sobre isso também.

Caso queira se empenhar um pouco mais, aqui está uma lista com os dez códices mais utilizados pela crítica textual para gerar traduções modernas da Bíblia Sagrada:

  • Códice Sinaiticus (Aleph ou 01)
    Data do Achado: Descoberto em 1844 (1822?)
    Conteúdo: Contém grande parte do Antigo Testamento em grego, incluindo os quatro Evangelhos, Atos, epístolas de Paulo, 1 e 2 Pedro, 1 João e parte de Apocalipse.
  • Códice Vaticanus (B ou 03)
    Data do Achado: Data de criação estimada entre o século IV e o século V
    Conteúdo: Contém quase todo o Antigo e o Novo Testamento em grego. Faltam algumas porções, como Gênesis 1:1-46:28, Salmos 106-138 e Hebreus 9:14 até o final.
  • Códice Alexandrinus (A ou 02)
    Data do Achado: Data de criação estimada no início do século V
    Conteúdo: Contém grande parte do Antigo Testamento e quase todo o Novo Testamento em grego, incluindo algumas epístolas adicionais e parte do livro de Salmos em grego.
  • Códice Ephraemi Rescriptus (C ou 04)
    Data do Achado: Descoberto no século XVII (anteriormente foi usado para escrever textos siríacos)
    Conteúdo: Contém fragmentos do Antigo Testamento em grego, além de quase todo o Novo Testamento, com exceção de algumas partes que foram apagadas e sobreescritas com textos religiosos siríacos.
  • Códice Bezae (D ou 05)
    Data do Achado: Data de criação estimada no século V
    Conteúdo: É um manuscrito bilingue, com texto grego e latino, contendo os quatro Evangelhos e o livro de Atos, com algumas variações significativas em relação a outros manuscritos.
  • Códice Washingtonianus (W ou 032)
    Data do Achado: Descoberto em 1906
    Conteúdo: Contém fragmentos dos Evangelhos em grego, incluindo os quatro Evangelhos completos e o livro de Atos.
  • Códice Claromontanus (D^c ou 06)
    Data do Achado: Desconhecida
    Conteúdo: Contém partes das epístolas de Paulo em grego e latim.
  • Códice Sangallensis (Δ ou 037)
    Data do Achado: Descoberto no século IX
    Conteúdo: Contém fragmentos dos quatro Evangelhos em grego.
  • Códice Koridethi (Θ ou 038)
    Data do Achado: Descoberto no século XIX
    Conteúdo: Contém fragmentos dos Evangelhos em grego.
  • Códice Regius (L ou 019)
    Data do Achado: Descoberto em 1587
    Conteúdo: Contém partes dos quatro Evangelhos em grego.

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