Crentes que perderam a fé

“Se diante de mim, não se abrir o mar; Deus vai me fazer andar por sobre as águas”
(Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, 1998)

Em 1998, eu e minha família nos mudamos para o Espírito Santo. Morávamos em Resplendor, Minas Gerais, e minha mãe atuava como evangelista em uma pequena igreja pentecostal na parte sul da cidade. Na mesma época em que a Comunidade Zona Sul cantava “Rompendo em Fé”, minha mãe conheceu um missionário capixaba em um culto especial (não me lembro qual era o caso). Não sei exatamente o que ocorreu, eu tinha apenas 13 anos na época, mas pelo pouco que descobri, aquele missionário havia revelado que minha mãe era uma pessoa reservada por Deus para ele. Em 1998, minha mãe tinha três filhos e o sonho de ter uma vida melhor; essa revelação foi, curiosamente, tudo o que ela desejava. Nada mais óbvio, não é mesmo?!
Eu ainda me lembro da promessa: vir para o Espírito Santo, viver em um bairro bom e ter todas as facilidades possíveis em 1998 (além de ver o Brasil perder misteriosamente para a França). Ficamos como que sonhando! Sair de uma cidade pequena, um forno na verdade, e vir morar na cidade grande! Uau! Isso só podia ser um milagre, mas não era.

Nos mudamos para um bairro chamado Jardim Botânico; claro que não era nada do que havia sido prometido pelo missionário. Ele havia dito que estava à frente de uma congregação, mas era apenas a parte de trás da sua casa, e sobre a sua santidade... prefiro não comentar. Minha mãe ficou frustrada, nós ficamos desamparados, e Deus não nos fez caminhar sobre as águas, embora tenha nos sustentado debaixo delas.

O missionário, na verdade, era um pastor que havia se entregue à bebida e provavelmente se mudado de bairro (após perder tudo na igreja anterior) para tentar recomeçar a vida “espiritual”. Tentamos voltar a fazer cultos na sua “congregação”, mas em poucos meses ele estava bebendo novamente e agredindo minha mãe por qualquer motivo. A revelação recebida dentro daquela igreja pentecostal, poucos meses antes, se tornou uma verdadeira tragédia. Poderíamos culpar a Deus (minha mãe fez isso várias vezes em momentos de sofrimento), mas nunca deixamos de buscar a solução em uma comunidade de fé. Passamos por muitos problemas, outras pessoas maltrataram minha mãe, nossa família foi fragmentada, e a saúde dela foi bastante prejudicada por causa de uma promessa vazia, muito bem embalada nas ilusões disseminadas pelo movimento gospel. Deus teve misericórdia de nós.

Minha história é apenas uma pequena amostra do que centenas, por que não dizer milhares, de pessoas têm vivenciado ao serem iludidas por promessas antibíblicas espalhadas em igrejas no Brasil. Em cada esquina, cada canto, há uma dessas micro igrejas iludindo a imaginação dos membros, fazendo-os acreditar que são especiais para Deus e que, em algum momento, Deus trará de volta tudo o que perderam. Esse é o mesmo evangelho que clama, gira e esperneia por uma vida melhor e prega, domingo após domingo, uma vitória financeira e emocional, mas, ao mesmo tempo, suga a energia financeira e emocional dos seus membros. Às vezes, penso no que seria de nós se nada disso tivesse acontecido, mas sei que Deus também estava presente, nos direcionando e dando sabedoria para lidar com as diversas situações em que fomos colocados. No entanto, nem todos estão lidando bem com esse problema.

Um irmão que tem frequentado uma dessas igrejas disse que está assustado com a quantidade de pessoas que têm abandonado a fé. Estão saindo e voltando-se para o mundo sem saber o que está acontecendo. Parece que a religião cristã não é o que disseram. As promessas não estão se cumprindo e eles estão retornando ao mundo. Ele pediu para eu gravar sobre isso, mas não pensei em nada além desta carta.

A religião cristã não está iludindo ninguém! Basta estudar a Bíblia para descobrir quão sério é o nosso caso e como fomos enganados no passado em busca de uma vida melhor aqui na Terra. Jesus, olhando para seus discípulos após ensinar sobre a parábola da videira, disse de forma clara e profética: “No mundo tereis aflições, mas animem-se, eu venci o mundo” (João 16:33). De fato, todos os apóstolos e cristãos entre os séculos I e II tiveram aflições. Os crentes têm sofrido no mundo desde que Jesus ascendeu, e os exemplos após o Novo Testamento são de perseguição e sangue espalhados por todo o mundo, violência que se repete de tempos em tempos desde então. As pessoas do mundo odeiam o povo de Deus por causa do pecado, mas por que as pessoas são tão enganadas sobre esse assunto? São enganadas porque não há tantas conversões com a pregação do evangelho como antes. A mensagem do evangelho, o cristianismo puro e simples, não tem convencido mais. Por isso, nossos antepassados decidiram dar uma “mãozinha” ao Espírito Santo e rechearam a mensagem do evangelho com coisas que Deus nunca disse.

A vida e obra de Jesus, que deveriam ser repetidas pelos crentes, agora são substituídas por uma religião dominical focada na bênção e em manifestações especiais que não estão listadas ou ensinadas pela Bíblia. Isso não está limitado às igrejas pentecostais; esse falso evangelho é uma realidade global e, mesmo não sendo a totalidade do cristianismo, representa uma boa parte dele hoje. Em igrejas não pentecostais, as pessoas sequer sabem o que é a Bíblia. Vivem um tipo de evangelho social que mais parece o evangelho de Allan Kardec do que o Evangelho da Cruz. O evangelho moderno é marcado por falsas promessas, eventos extraordinários não bíblicos, moralismo exagerado e ação social. Quando o crente analisa sua própria vida e percebe que nada do que prometeram aconteceu, ele não tem outra escolha a não ser abandonar a fé.

Em 2024, o mundo se prepara para uma crise global. Há rumores de guerra, eventos climáticos extremos e uma grande apostasia, mas onde está o arrebatamento secreto? Todo ano, falsos profetas estipulam pelo menos três datas para o arrebatamento da igreja, nenhuma delas com base bíblica, mas todas baseadas na esperança humana de não sofrer perseguições. De tanto falharem as previsões, quantas pessoas perceberam que estavam vivendo uma religião falsa e, infelizmente, estão vivendo como se Deus não existisse? O que podemos fazer para frear isso?

Se não começarmos a falar a verdade, usando a Bíblia em vez de sonhos, não vamos conseguir frear esse efeito. A igreja precisa urgentemente voltar a pregar a Bíblia! De forma expositiva, com aplicações que envolvam os problemas atuais. Se continuarmos vivendo a ilusão pregada nos anos 90, em breve não haverá mais cristianismo no Brasil, e a principal mudança que precisamos abraçar é esta. É preciso ensinar o que é o liberalismo teológico e como esse movimento tem criado uma falsificação da nossa fé, para que eles deixem de arrebanhar aquelas ovelhas perdidas dentro da casa de Deus. Essa nova religião liberal tem sido um empecilho para o crescimento da nossa fé e precisamos ficar atentos às suas artimanhas.

É preciso preparar os crentes para um cenário pior e mostrar que isso não é falta de fé, mas a realidade bíblica. Se não deixarmos claro o que acontece ao longo da história, vamos criar mais uma geração de crentes mimados e medrosos. Eles não permanecem muito tempo na fé e, quando caem, causam ainda mais dano do que antes. Se não estamos preparados para o pior, qualquer terremoto fará com que as pessoas abandonem sua fé. Os crentes do Novo Testamento estavam prontos para dar suas vidas por amor a Cristo; nós temos dificuldade até em ouvir falar de tremores do outro lado do mundo.

Deus não nos livrará de todas as tribulações, mas Ele as usa para Seus propósitos. Algumas pessoas são levadas ao arrependimento, outras são castigadas e condenadas. Há pessoas sendo fortalecidas em meio às tribulações, que serão usadas para ajudar outros irmãos em tribulações futuras. Há também aqueles que, em períodos de tribulação, têm o ego quebrado e são levados a um estado de humildade que seria impossível de alcançar vivendo uma vida em plena paz. Enquanto crentes seculares sonham em obter algum retorno financeiro e material com o falso evangelho, o verdadeiro evangelho tem convertido corações em meio à tristeza, pobreza e desamparo. Negar o verdadeiro evangelho em favor de uma igreja lotada de pessoas não convertidas para que a placa da igreja receba mais glória do que a outra é a maior prova de que não sabemos o que é ser cristãos.

Finalizando, precisamos reaprender a confiar em Deus ao invés de esperar que todas as coisas sejam resolvidas com bens materiais e uma vida sem problemas. Realmente precisamos confiar em Deus, mas isso não significa que não passaremos por tribulações! O ato de confiar em Deus não nos priva dos problemas, mas a nossa fé nos sustenta em meio à tribulação. Somos sustentados por Deus, mesmo quando passamos por problemas. Ele não quer nos tirar deste mundo, mas certamente nos livra do mal (João 17:15-21).

Quando começar a fazer estas coisas, esteja pronto para ver pessoas que até então eram “fervorosas” na fé. Você descobrirá que muitos ali dentro não passam de não convertidos fantasiados de cristãos. Não os julgue demais; foram enganados e agora precisam da sua atenção. Ore por eles e não deixe de evangelizá-los com a verdadeira mensagem cristã. Quanto à sua fé, mantenha o curso e não se deixe abalar pelo que está acontecendo. As coisas não vão melhorar a longo prazo, mas Deus certamente nos sustentará, como sempre prometeu fazer. Fique em paz, pregue a verdade e mantenha-se no evangelho verdadeiro.

"Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; e todas as tribos da terra se lamentarão, e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória. E ele enviará os seus anjos com rijo clamor de trombeta, os quais ajuntarão os seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus" (Mt 24.30,31)

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